Reconhecendo sinais de problemas de saúde mental em adolescentes
- Paloma Garcia
- 2 de nov. de 2023
- 8 min de leitura
Atualizado: 15 de abr.
Como pais e responsáveis podem agir de forma precoce
A adolescência é uma fase de descobertas, desafios e transformações profundas, onde a saúde mental desempenha um papel essencial para o bem-estar e o desenvolvimento saudável dos jovens. Esse período, muitas vezes turbulento, é caracterizado por uma série de mudanças físicas, cognitivas, emocionais e sociais que afetam diretamente a forma como os adolescentes percebem a si mesmos e o mundo ao redor.
Reconhecer sinais de possíveis problemas de saúde mental — como alterações no comportamento, no humor e na forma de se relacionar — é fundamental para garantir intervenções precoces e o suporte necessário. Ao compreender essas mudanças, pais, cuidadores e educadores tornam-se mais preparados para oferecer apoio emocional adequado e buscar ajuda profissional no momento certo.

Neste artigo, exploro como identificar sintomas de condições como depressão, ansiedade e outros transtornos, compreendendo os processos neurobiológicos que influenciam essas manifestações. O objetivo é fornecer um olhar aprofundado, porém acessível, sobre as transformações emocionais e comportamentais típicas da adolescência, com base em evidências científicas atualizadas.
Identificação de sinais de depressão, ansiedade e outros distúrbios
A identificação precoce dos sintomas de condições como depressão e ansiedade é crucial para encaminhar os adolescentes ao tratamento adequado e evitar a cronificação do sofrimento. Sob a perspectiva da neurociência, a depressão na adolescência está associada a alterações significativas na regulação emocional e nos circuitos neurais ligados ao processamento de recompensas, motivação e controle de impulsos.
Estudos de Yang et al. (2018) demonstram que adolescentes com depressão apresentam conectividade reduzida entre o córtex pré-frontal e regiões límbicas do cérebro. Essa disfunção afeta diretamente a capacidade de regular emoções, lidar com frustrações e tomar decisões adaptativas em contextos sociais e emocionais desafiadores.
O córtex pré-frontal, região cerebral envolvida em funções executivas como planejamento, tomada de decisões, controle inibitório e autorregulação emocional, desempenha papel central na regulação de comportamentos sociais e na interpretação de experiências afetivas. Já as estruturas límbicas, como o hipocampo e a amígdala, estão diretamente associadas ao processamento de emoções, memórias afetivas e motivação — componentes fundamentais na saúde mental de adolescentes.
De forma semelhante, a ansiedade está relacionada a uma hiperativação do sistema nervoso autônomo e alterações no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), responsáveis pela regulação da resposta ao estresse. Pesquisas conduzidas por Yap et al. (2019) evidenciam a interação entre a amígdala — estrutura que processa o medo — e o córtex pré-frontal, demonstrando como o desequilíbrio entre essas regiões pode intensificar respostas emocionais desproporcionais e sensação constante de ameaça.
Para contextualizar:
O sistema nervoso autônomo controla funções involuntárias como batimentos cardíacos, respiração e digestão, regulando o equilíbrio interno do organismo frente a estímulos estressores.
O eixo HHA atua como o principal sistema neuroendócrino de resposta ao estresse, coordenando a liberação de cortisol e influenciando o sono, o apetite e o humor.
A amígdala cerebral está envolvida na identificação e resposta a estímulos ameaçadores, regulando comportamentos ligados à sobrevivência (como a resposta de luta ou fuga).
Depressão na adolescência
A depressão é uma das condições de saúde mental mais prevalentes entre adolescentes, impactando de forma significativa suas relações, desempenho escolar e qualidade de vida. A intervenção precoce é essencial para prevenir agravamentos.
Adolescentes com depressão podem apresentar:
tristeza persistente ou irritabilidade constante;
perda de interesse por atividades antes prazerosas;
alterações significativas no sono e apetite;
baixa autoestima e sentimentos de inutilidade;
fadiga excessiva e dificuldade de concentração;
ideação suicida ou comportamentos autolesivos.
Ansiedade na adolescência
A ansiedade é outra condição frequente nesse período, muitas vezes manifestada por preocupações excessivas, comportamentos de evitação e sintomas físicos.
Entre os sinais mais comuns estão:
tensão muscular constante;
medo intenso de julgamento alheio;
crises de choro ou pânico;
dores de cabeça, distúrbios gastrointestinais;
recusa em participar de atividades sociais.
Além da depressão e da ansiedade, outros transtornos podem surgir ou se intensificar na adolescência, como:
Transtornos alimentares (anorexia, bulimia, compulsão alimentar);
Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), especialmente após vivências adversas;
Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), frequentemente confundido com desmotivação ou rebeldia.
A identificação precoce, com base em observação sensível e apoio profissional, pode transformar o prognóstico desses adolescentes e facilitar seu desenvolvimento saudável.
Compreensão de mudanças comportamentais e emocionais em adolescentes
A adolescência é uma fase marcada por intensas transformações cognitivas, emocionais e comportamentais. Distinguir o que é desenvolvimento típico do que pode indicar um problema de saúde mental é um dos grandes desafios para pais, cuidadores e educadores.
Essas mudanças podem ser complexas e muitas vezes difíceis de interpretar. Compreender o que está acontecendo no cérebro do adolescente ajuda a identificar quando comportamentos aparentemente normais podem sinalizar algo mais sério.
Do ponto de vista neurobiológico, muitas dessas transformações estão relacionadas ao desenvolvimento do córtex pré-frontal, responsável por funções como autorreflexão, planejamento, julgamento e controle das emoções. Essa região está em processo de amadurecimento ao longo da adolescência e só atinge plena maturidade por volta dos 25 anos.
Estudos conduzidos por Blakemore (2018) destacam a plasticidade neural do cérebro adolescente, especialmente no córtex pré-frontal. Essa capacidade de adaptação permite que o jovem aprenda, se reorganize emocionalmente e responda às demandas do ambiente. No entanto, também torna o cérebro mais vulnerável a experiências negativas ou traumáticas.
A plasticidade neural é a habilidade do cérebro de se modificar em resposta a estímulos internos e externos. Ela é essencial para a aprendizagem, o desenvolvimento emocional e a formação de identidade, sendo mais intensa durante a adolescência.
Além disso, o amadurecimento do sistema de recompensa cerebral, em especial da área conhecida como núcleo accumbens, está diretamente ligado à busca por experiências prazerosas e ao comportamento exploratório. Esse processo pode levar a um aumento na busca de novidades e sensações intensas, o que muitas vezes se manifesta como impulsividade ou comportamentos de risco.
Segundo Steinberg (2017), durante a adolescência há um descompasso entre o amadurecimento das regiões do cérebro relacionadas à emoção (como o núcleo accumbens) e aquelas responsáveis pelo controle inibitório (como o córtex pré-frontal). Isso contribui para que os adolescentes tomem decisões mais impulsivas e sejam mais suscetíveis a influências externas, especialmente de grupos de pares.
O sistema de recompensa é o conjunto de estruturas cerebrais que regulam a motivação, o prazer e o aprendizado associado à recompensa. Ele reforça comportamentos considerados positivos ou desejáveis, mas também pode estar relacionado à propensão a vícios e impulsividade.
O núcleo accumbens, por sua vez, é uma das principais estruturas envolvidas na motivação e no comportamento direcionado à obtenção de recompensas. Seu funcionamento tem grande impacto na tomada de decisões e no controle emocional.
Principais mudanças emocionais e comportamentais
Busca de identidade
Durante a adolescência, é comum que os jovens explorem diferentes aspectos da identidade, incluindo valores, crenças, gostos pessoais, aparência e orientação sexual. Essa busca por autenticidade pode levar a variações de comportamento e opiniões, sem necessariamente indicar um problema.
Busca de independência
O desejo por autonomia é outro marco importante da adolescência. Os adolescentes tendem a buscar mais controle sobre suas decisões e rotinas, o que pode gerar conflitos com figuras parentais. Essa necessidade de independência é esperada, mas precisa ser acompanhada com limites e diálogo.
Comportamentos de risco e experimentação
Comportamentos como experimentar álcool, cigarro, drogas ou envolver-se em situações de risco fazem parte de um padrão exploratório típico dessa fase, impulsionado pela ativação do sistema de recompensa. No entanto, quando esses comportamentos são frequentes, descontrolados ou associados a sofrimento psíquico, é fundamental buscar orientação profissional.
Flutuações emocionais
Mudanças hormonais e neurológicas podem contribuir para oscilações frequentes de humor. Em um mesmo dia, um adolescente pode demonstrar entusiasmo e motivação, e pouco depois apresentar apatia ou irritabilidade. Embora essas oscilações possam ser esperadas, alterações extremas ou persistentes devem ser observadas com atenção.
Importância da saúde mental na adolescência
Promover a saúde mental na adolescência é essencial para garantir um desenvolvimento emocional, social e cognitivo saudável. A atenção a esse aspecto da vida dos jovens não deve ocorrer apenas diante de sinais de sofrimento, mas também como parte de uma abordagem preventiva, que fortalece a resiliência e o bem-estar.
Estratégias baseadas em educação positiva e em terapia cognitivo-comportamental (TCC) têm se mostrado eficazes para apoiar adolescentes em momentos de vulnerabilidade e também como instrumentos de promoção da saúde mental.
A educação positiva é uma abordagem que busca desenvolver competências socioemocionais, promovendo emoções positivas, engajamento, relacionamentos saudáveis, sentido de vida e realização pessoal. Estudos como o de Waters (2015) evidenciam a eficácia dessa abordagem na promoção da resiliência em adolescentes, fortalecendo estratégias de enfrentamento e habilidades de regulação emocional.
Já a terapia cognitivo-comportamental é uma das abordagens terapêuticas com maior respaldo científico para o tratamento de depressão e ansiedade em jovens. Ela atua sobre os padrões de pensamento disfuncionais e os comportamentos associados, ensinando formas mais adaptativas de lidar com dificuldades emocionais.
Pesquisas conduzidas por Weisz et al. (2012) demonstram que adolescentes que passaram por intervenções baseadas na TCC apresentaram redução significativa nos sintomas de ansiedade e depressão, com resultados superiores ao tratamento clínico convencional em diversos contextos.
Estratégias fundamentais para fortalecer a saúde mental de adolescentes
Conscientização sobre o bem-estar mental
Promover o entendimento de que saúde mental é parte integrante da saúde como um todo é fundamental. Quando adolescentes e suas famílias compreendem a importância desse aspecto, torna-se mais fácil reconhecer sinais de alerta e buscar ajuda sem estigma.
Promover uma atitude aberta ao diálogo
Criar espaços seguros para que os adolescentes possam falar sobre suas emoções, angústias e dúvidas é uma das formas mais eficazes de prevenção. Conversas regulares sobre saúde mental contribuem para a redução do estigma e incentivam o autocuidado.
Oferecer apoio contínuo
O apoio emocional de figuras significativas — como pais, professores e outros adultos de confiança — tem impacto direto no desenvolvimento saudável dos adolescentes. Relações de confiança e empatia ajudam a fortalecer a autoestima e a segurança emocional.
Intervir precocemente
A identificação e intervenção precoce diante de sinais de sofrimento psíquico são fundamentais para reduzir os riscos de agravamento. Quanto antes um adolescente recebe o apoio necessário, maiores são as chances de um desenvolvimento emocional saudável e adaptativo.
Conclusão
A adolescência é uma fase de intensas transformações e descobertas, marcada por um processo de construção de identidade e autonomia. Diante desse cenário, reconhecer sinais de problemas de saúde mental e compreender as mudanças comportamentais e emocionais típicas dessa etapa do desenvolvimento são atitudes fundamentais para garantir o bem-estar dos jovens.
Conversar com adolescentes de forma empática e bem-informada exige uma compreensão profunda das complexidades envolvidas no desenvolvimento neurocognitivo e emocional.
Ao observar comportamentos, escutar com atenção e buscar entender os contextos vivenciados pelos adolescentes, pais, responsáveis e educadores tornam-se agentes fundamentais de apoio e prevenção.
Mais do que apenas reagir aos sinais de sofrimento, é preciso cultivar um ambiente de diálogo aberto, acolhimento e acesso à informação de qualidade. A promoção de estratégias baseadas em evidências científicas, como a educação positiva e a terapia cognitivo-comportamental, pode fortalecer a resiliência emocional e oferecer caminhos concretos para lidar com os desafios dessa fase.
Reconhecer, compreender e agir com sensibilidade e responsabilidade são atitudes que fazem a diferença na vida de um adolescente. Com suporte adequado, os jovens podem atravessar essa etapa de forma mais segura, saudável e confiante.
Referências bibliográficas
American Academy of Child and Adolescent Psychiatry. (2019). Depression in Teens. Disponível em: https://www.aacap.org
Blakemore, S.-J. (2018). Inventing Ourselves: The Secret Life of the Teenage Brain. PublicAffairs.
Kessler, R. C., Amminger, G. P., Aguilar-Gaxiola, S., Alonso, J., Lee, S., & Ustün, T. B. (2007). Age of onset of mental disorders: A review of recent literature. Current Opinion in Psychiatry, 20(4), 359–364.
National Institute of Mental Health. (2020). Teen Depression. Disponível em: https://www.nimh.nih.gov
Steinberg, L. (2017). Adolescence. McGraw-Hill Education.
Waters, L. (2015). The Relationship Between Strength-Based Parenting with Children’s Stress Levels and
Strength-Based Coping Approaches. Psychology, 6(6), 689–695.
Weisz, J. R., Kuppens, S., Eckshtain, D., Ugueto, A. M., Hawley, K. M., & Jensen-Doss, A. (2012). Performance of Evidence-Based Youth Psychotherapies Compared With Usual Clinical Care: A Multilevel Meta-Analysis. JAMA Psychiatry, 70(7), 750–761.
Yang, T. T., Simmons, A. N., Matthews, S. C., Tapert, S. F., Frank, G. K., Max, J. E., Bischoff-Grethe, A., Lansing, A. E., Brown, G. G., Strigo, I. A., & Paulus, M. P. (2010). Adolescents with major depression demonstrate increased amygdala activation. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 49(1), 42–51.
Yap, M. B. H., Pilkington, P. D., Ryan, S. M., & Jorm, A. F. (2014). Parental factors associated with depression and anxiety in young people: A systematic review and meta-analysis. Journal of Affective Disorders, 156, 8–23.
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